El mar

Como é que pode o conjunto de uma existência inteira fazer um tchau tão sincronizado? Um jeito de olhar, de sorrir, de segurar o garfo, de fazer cara de sapeca hexagenária, de reclamar, de bravejar. Um jeito inteirinho todinho de ser dengoso. Um nome, uma história de amor, um vício, uma fraqueza, outro vício, uma força de vontade pra tombar dois vícios… Uma força de vontade pra vencer batalha contra a morte durante 14 dias! Um apego amoroso de 63 anos pela mulher mais fantástica do universo. Um travesseiro, um lugar na cama, alguns tantos pijamas. Alguns tantos filhos e netos que vão carregar pra sempre o nome daquela existência. O nome que tudo leva consigo, que tudo lava e tudo revigora com suas ondas de espuma. A caixinha de óculos sobre a mesa, o controle remoto que parecia anatômico nas mãozinhas já trêmulas. A poltrona da sala, ai meu Deus, a poltrona da sala! A sala inteira, a TV, o tapete, o lugarzinho dele na mesa. O jeito de arrastar a sandália franciscana de avô. Quem mais pode ser avô sem ser ele? Quem vai ensinar? Quem fica com o fardo de mais tantas décadas de existência, com cada vez menos existências? A força eu tenho sim, obrigada. E a vontade impossível e dilacerante de ver e abraçar de novo…

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